sábado, 16 de fevereiro de 2013

Transformando o sofrimento em paz




Li a respeito de um filósofo estóico na Grécia antiga que, ao saber da morte do filho em um acidente, respondeu: “Eu sabia que ele não era imortal”. Isso é entrega? Se for, não a desejo para mim. Existem algumas situações em que a entrega parece uma coisa forçada e desumana.

Suprimir nossos sentimentos não é entrega. Mas também não sabemos qual era o estado interior do filósofo, quando disse essas palavras. Em situações extremas, pode ser impossível aceitar o Agora, mas sempre temos uma segunda chance na entrega.

Nossa primeira chance é nos entregarmos, a cada instante, à realidade do momento. Sabendo que aquilo que é não pode ser desfeito – porque já é –, dizemos sim àquilo que é ou aceitamos o que não é. Então fazemos o que tem de ser feito, o que quer que a situação exija. Se nos submetemos a esse estado de aceitação, deixamos de criar negatividade, sofrimento ou infelicidade. Passamos a viver em um estado de não-resistência, um estado de graça e de luz, livre das disputas.

Sempre que você for incapaz de realizar isso, sempre que perder essa oportunidade, seja porque não está gerando uma presença consciente o bastante para evitar o surgimento do padrão de resistência habitual, seja porque as circunstâncias são tão extremas que são completamente inaceitáveis, você está criando alguma forma de dor, alguma forma de sofrimento. Pode parecer que é a situação que está causando o sofrimento, mas não é bem assim: a responsável é a sua resistência.

Aqui está a sua segunda chance de entrega. Se você não consegue aceitar o que está lá fora, aceite então o que está dentro. Isso quer dizer, não resista ao sofrimento. Permita que ele esteja ali. Entregue-se ao pesar, ao desespero, ao medo, à solidão, ou a qualquer forma que o sofrimento assuma. Abrace o sofrimento. Veja, então, como o milagre da entrega transforma o sofrimento profundo em uma paz profunda. Essa é a sua crucificação. Permita que ela seja a sua ressurreição e ascensão ao céu.

Não consigo entender como alguém pode se entregar ao sofrimento. Como você já mencionou, o sofrimento é a não-entrega. Como poderia me entregar à não-entrega?

Esqueça a entrega por um instante. Quando a sua dor é profunda, tudo o que se disser a respeito de entrega vai, provavelmente, lhe parecer superficial e sem sentido. Quando o seu sofrimento é profundo, você provavelmente tem um grande anseio de escapar e de não se entregar a ele. Você não quer sentir o que está sentindo. O que pode ser mais normal? Mas não tem escapatória, nenhuma saída. Existem algumas pseudo-saídas como o trabalho, a bebida, as drogas, a raiva, as projeções, as abstenções, etc., mas elas não libertam você do sofrimento. O sofrimento não diminui de intensidade quando você o torna inconsciente. Quando você nega o sofrimento emocional, tudo o que você faz ou pensa fica contaminado por ele. Você o irradia, por assim dizer, como a energia que se desprende de você, e outros vão captá-lo subliminarmente. Se essas pessoas estiverem inconscientes, podem até se ver compelidas a agredir ou machucar você de alguma forma, ou você pode machucá-las em uma projeção inconsciente do seu sofrimento. Você atrai e transmite aquilo que corresponde ao seu estado interior.

Quando não existe caminho para fora, existe sempre um caminho através. Portanto, não fuja do sofrimento. Enfrente-o. Sinta-o plenamente. Sinta-o, mas não pense a respeito dele! Fale dele, se necessário, mas não crie uma história na sua mente a respeito dele. Dê toda a sua atenção ao sofrimento, não à pessoa ou ao acontecimento que pode tê-lo provocado. Não permita que a mente use o sofrimento para criar uma identidade de vítima para você em função dele. Sentir pena de si mesmo e contar a sua história aos outros vai fazer com que você fique paralisado no sofrimento. Se for impossível se afastar desse sentimento, a única possibilidade de mudança é se mover em direção a ele, do contrário, nada vai mudar. Portanto, dê a sua completa atenção ao que você sente e evite dar um nome a isso mentalmente. Ao se dirigir para o sentimento, fique intensamente alerta. No princípio, pode parecer um lugar escuro e aterrador, e quando vier o impulso para se afastar, observe-o, mas não se deixe guiar por ele. Permaneça colocando a sua atenção no sofrimento, permaneça sentindo o pesar, o medo, o pavor, a solidão, o que for. Fique alerta, fique presente, com todo o seu Ser, com cada célula do seu corpo. Ao fazer isso, você está trazendo uma luz para a escuridão. É a chama da sua consciência.

Nesse ponto, você não precisa mais se preocupar com a entrega. Ela já aconteceu. Como? A atenção completa é a aceitação completa, é entrega. Ao dar atenção completa, você está usando o poder do Agora, que é o poder da sua presença. Nenhum indício de resistência consegue sobreviver nele. A presença remove o tempo. Sem o tempo, nenhum sofrimento e nenhuma negatividade conseguem sobreviver.

A aceitação do sofrimento é uma viagem em direção à morte. Encarar o sofrimento profundo, permitindo que ele exista, colocando a sua atenção sobre ele, é entrar na morte conscientemente. Quando tiver morrido essa morte, você perceberá que não existe morte e que não há nada a temer. Só quem morre é o ego. Imagine um raio de sol que se esqueceu que é uma parte inseparável do sol, acredita que precisa lutar pela sobrevivência e, assim, cria e se apega a uma outra identidade diferente do sol. Será que a morte dessa ilusão não seria incrivelmente libertadora?

Você quer ter uma morte fácil? Você prefere morrer sem sofrimento, sem agonia? Então, morra para o passado a cada instante e permita que a luz da sua presença apague o pesado e limitado “eu” que você pensou que era “você”.

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